segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Barriga de Aluguel - Obrigação Lícita?

INTRODUÇÃO
Na sociedade hodierna muitos avanços tecnológicos estão surgindo, tornando quase tudo possível. Uma das áreas que mais tem evoluído é a medicina reprodutiva, abrindo perspectivas ao problema da esterilidade humana, em um desafio ao ordenamento jurídico, o qual é dominado pelas concepções clássicas, especialmente no que tange à filiação.
A curiosidade científica e a busca incessante de novas descobertas nas ciências da saúde sempre foram objeto de preocupação para a humanidade. Daí, a necessidade de estabelecer limites precisos no desenvolvimento da ciência biomédica, tendo em vista que, em nome desse desenvolvimento, regras básicas de comportamento ético foram desrespeitadas.
O escopo de nossa análise neste trabalho será o aspecto obrigacional, advindo da técnica das mães de substituição, a qual está evoluindo para a chamada barriga de aluguel, colocando o homem como objeto contratual.
No que tange ao aspecto jurídico, a questão que se propõe a presente pesquisa é a de responder se a barriga de aluguel carateriza-se como uma obrigação lícita ou não.
Ø Ética Mutante:
Através dos avanços da medicina, quase tudo tornou-se possível quando o desejo é ter um filho. A questão que se levanta é a de definir a fronteira entre o avanço da tecnologia e a questão ética e jurídica desse caos evolutivo.
Umas das questões que levanta grande discussão e que diz respeito a um forte aspecto social versa sobre o direito de um casal investir importantes recursos financeiros para ter um filho, envolvendo questões de cunho ético psicológico, religioso e jurídico, enquanto, á sua volta estão inúmeras crianças abandonadas ou vivendo em miséria absoluta. Não seria mais ética e socialmente justa a adoção? Em um país como o Brasil, a resposta é positiva.
A medicina reprodutiva e suas ousadias representam a superação da infertilidade para boa parte dos casais. Uma das técnicas mais utilizadas é a Reprodução Assistida (RA), por nós conhecida como “barriga de aluguel” e também chamada de “útero emprestado”, ou o termo mais técnico no mundo jurídico, “mães de substituição”.
Mesmo nos tempos atuais, em que a sociedade exerce um papel controlador mais efetivo, o desenvolvimento científico muitas vezes encobre violações de princípios éticos, e não raro humanitários, em nome da high – tech na ciência biomédica.
Tal tema encerra questões delicadas como a sexualidade, o matrimônio e a reprodução, permanecendo como um dos dilemas éticos mais atuais da humanidade.
Essa técnica significa uma nova realidade, bem como perplexidades, suscitando um grande debate sobre as fronteiras da ética e do progresso científico.
A questão colocada como escopo de nossa análise é o fato da tecnologia ter avançado mais que o ordenamento jurídico, surgindo como um impasse tanto para os casais, que querem realizar o sonho de ter um filho, quanto para os profissionais que atuam nessa área.
O escopo de nossa discussão não será a respeito da técnica de reprodução assistida em um geral, mais sim da questão das mães de substituição, as quais tendem a evoluir para as chamadas barrigas de aluguel, colocando o homem como objeto de contrato.
Atualmente, os limites dependem mais da legislação de cada país que da modernidade técnica, posto que a procriação artificial desafia as leis e os princípios éticos e morais de médicos e pacientes envolvidos no mundo da geração – laboratório.
Diante das várias possibilidades da tecnologia também sobram dúvidas, como as que seguem:
§ A mulher que cedeu o útero tem direito sobre a criança?
§ É ético usar o esperma de um morto?
§ É aceitável escolher o sexo do bebê?
A polêmica parece não ter fim, pois enquanto as leis caminham a passos lentos, os advogados, assim como médicos, teólogos e uma nova categorias, os bioeticistas, buscam respostas, discutindo a bioética.
A esterilidade ou infertilidade, vista como um “defeito” biológico, leva à discriminação que alimenta o sentimento de inferioridade e de culpa por parte da mulher.
Ø Aspecto Médico:
Tal técnica consiste em apelar a uma terceira pessoa para assegurar a gestação, quando o útero materno estiver impossibilitado de desenvolver normalmente o ovo fecundado, ou quando a gravidez apresentar risco para a mãe.
O fato de haver a participação de uma terceira pessoa implica em uma renúncia à intimidade da concepção e sua privacidade.
A partir do conhecimento adquirido com a experimentação animal e a evolução do conhecimento científico na área reprodutiva humana, houve uma evolução da inseminação artificial às atuais técnicas de fertilização in vitro com a transferência de embrião.
Tal matéria caracteriza-se como objeto de controvérsia, devido aos problemas éticos, sociológicos, psicológicos, jurídicos, bem como financeiros, provocados pelo tema. A título de medicina, contudo, a questão não promove maiores indagações.
É indicada para mulheres portadoras de deficiências adquiridas ou de nascença, as quais ficam impossibilitadas de levar a termo uma gravidez.
Os embriões são coletados da mãe e transferidos para a mãe de substituição durante o ciclo natural ou induzido.
Tendo em vista os numerosos problemas éticos e legais suscitados pelo empréstimo do útero, o procedimento das mães de substituição ainda não se generalizou.
Tal procedimento subdivide-se em duas hipóteses distintas:
§ mãe portadora: é aquela que apenas “empresta” seu útero; é uma mulher fértil, a qual recebe em seu útero um ou vários embriões obtidos pela fecundação in vitro, a partir dos óvulos e dos espermatozóides do casal solicitante;
§ mãe de substituição: além de “emprestar” seu útero, doa seus óvulos; é uma mulher fértil que será inseminada com o esperma do marido da mulher que não pode conceber; caso ocorra a gravidez, ela gestará uma criança geneticamente sua e, após o nascimento, a dará ao casal.
Ø Aspecto Jurídico:
Tal tema interfere em um conjunto de fatores alheios à maternidade “natural”, gerando condutas opostas a esta prática.
Esta técnica desafia o que resta do núcleo tradicional, o qual é visto como modelo.
A celeridade da evolução do conhecimento na área da reprodução humana exige da sociedade e dos governos envolvidos uma permanente vigilância a respeito da questão.
São muitas as questões colocadas aos juristas: desde a definição de um estatuto do embrião até a proteção de bens essenciais, como a unidade familiar, a salvaguarda do valor da procriação e a licitude dos meios e dos fins que caracterizam suas aplicações no campo científico.
A intervenção humana nos processos reprodutivos, rompendo as relações biológicas entre os seres humanos, exige uma permanente e severa vigilância no sentido de impedir a generalização e a banalização da procriação tecnológica.
Há um temor de que tal prática aumente a demanda por mães de aluguel, ocasionando a exploração de mulheres pobres, bem como as do terceiro mundo, caracterizando uma atitude imoral e ilegal.
Os limites entre a autodeterminação da pessoa e a sua plena satisfação, o desenvolvimento científico na área da reprodução assistida e a ética da intervenção nos processos biológicos da reprodução humana, cada vez tornam-se mais estreitos, exigindo uma pronta resposta social para contê-los.
No campo jurídico, as posições tradicionais continuam prevalecendo sobre os avanços científicos.
Assiste-se a uma crescente demanda por regulamentação, com a finalidade de garantir a proteção dos valores fundamentais da pessoa; entretanto, essa proteção mostra-se inadequada e insuficiente.
No Brasil, até o presente momento, não há nenhuma regulamentação legislativa sobre o assunto. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.° 2.855, de 1997, de autoria do deputado Confúcio Moura, o qual regulamenta a utilização das técnicas de procriação artificial.
Tudo que é feito até então está baseado na Resolução n.° 1.358, de 1992, do Conselho Federal de Medicina – CFM, a qual permite a utilização da gravidez de substituição, desde que haja impedimento físico ou clínico para que a mulher, doadora genética, possa levar a termo uma gravidez. Entretanto, a prática é restrita ao ambiente familiar, com o objetivo de impedir qualquer caráter lucrativo ou comercial na relação estabelecida.
Apesar da não existência de legislação sobre a matéria, a Constituição Federal previu a ocorrência de legislação ordinária para tratar da matéria, vedando “todo tipo de comercialização”, ex vi do art. 199, § 4° - CF/88, ipsis litteris:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 4° - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (grifamos)
Mas há quem afirme que a utilização do útero não se encontra incluída no referido dispositivo constitucional.
O autor Eduardo de Oliveira Leite assevera que a barriga de aluguel não está incluída no referido dispositivo constitucional, tendo em vista que o procedimento não é assimilável ao transplante de órgão, nem à pesquisa. “Também não ocorre remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas”. Ele afirma que se não há locação, afasta-se a hipótese de contrato.
Afirma-se que a omissão constitucional permite o emprego de todas as tecnologias reprodutivas, sendo tal omissão devido ao fato da procriação artificial não estar institucionalizada na sociedade, continuando a gerar dúvidas e perplexidades.
O primeiro instrumento a tratar do assunto foi o Código de Nuremberg, de 1946, trazendo recomendações internacionais sobre a ética nas pesquisas científicas em serem humanos. Travou-se, então, um paradigma que vai atravessar civilizações: ciência versus ética.
A legislação civil brasileira não traça normas disciplinadoras, sendo que o Código Civil vindouro, que entrará em vigência em janeiro de 2003 não contém nenhuma norma sobre a matéria. Duas emendas foram apresentadas, das quais não se sabe notícias.
A doutrina entende que a mãe de substituição, ou mãe de aluguel, só deve ser admitida aos casais inférteis, que constituam ambiente adequado à criação e à educação de filhos.
Como não há regulamentação jurídica, as regras são ditadas pela instituição médica, tomando as decisões e estabelecendo princípios , de acordo com seu entendimento.
São os seguintes os aspectos que ocupam a análise da legislação, a saber:
§ “perfil” de quem estaria habilitado a recorrer ao procedimento;
§ oportunidade ou não da compensação;
§ anonimato;
§ requisitos a serem exigidos de uma mãe de substituição.
No que tange às mães de substituição, assim estabelece a referida resolução, ipsis litteris:
VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária do útero)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra – indique a gestação na doadora genética.
1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. (grifamos)
Com o surgimento da locação do útero, questiona-se se a lei do contrato pode ou não ser aplicada quando a questão diz respeito à gestação e à entrega de um bebê.
Þ O papel da noção de contrato:
No que tange a este tema, faz-se necessária a distinção entre a fertilização in vitro e a técnica da “mãe de substituição”.
A questão das mães de substituição necessita de uma análise específica, pois implica um processo social (com aspectos médicos e jurídicos).
A fertilização in vitro significa a doação do óvulo e a doação de um embrião, o que não acarreta problemas jurídicos, uma vez que a criança vincula-se aos pais pela gestação.
O recurso da mãe de substituição surge quando a mulher está impossibilitada de carregar o embrião (impossibilidade de gestação), apelando a outra mulher, a qual carregará a criança, atuando como uma “incubadora viva”.
A contratação dos serviços de mães substitutas, que celebram contratos, os quais guardam semelhança com os contratos de locação, tende a se desenvolver. Nesse caso, suscita-se a seguinte questão: É possível assimilar a noção de contrato comercial ao contrato de aluguel envolvendo a gestação de uma criança com posterior entrega?
A questão fundamental, a ser enfrentada pela sociedade, é a de proibir tais contratos, ou torná-los obrigatórios.
Os defensores do contrato afirmam que é através dessa peça que a criança será garantida.
No caso de um contrato, as decisões a serem tomadas devem ser alheias aos interesses particulares, considerando-se os interesses do nascituro.
As legislações de diversos países, em um primeiro instante, posicionavam-se no sentido de considerar a nulidade absoluta dos contratos sobre maternidade de substituição, todavia, sem efeito jurídico.
A intenção dos legisladores foi a de evitar e prevenir a exploração comercial, inclusive estabelecendo sanções penais à publicidade, incitação e intermediação levada a cabo por pessoas ou instituições.
Considerando o aspecto psicológico, as mulheres que já passaram pela experiência de “emprestar” seu útero possuem um entendimento que converge com o seguinte pensamento:
…acordos de aluguel não deviam ser permitidos pelos Tribunais… esses arranjos causarão graves danos psicológicos e sociais à mãe de aluguel… o impacto nestas mulheres será enorme e permanente.
Tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro, o qual entende que pessoas presentes ou futuras não podem ser objeto de contrato, bem como o aspecto psicológico, afirma-se que o direito positivo, infraconstitucional, rejeitará a idéia de contrato de mãe de substituição.
Þ A invalidade de um contrato pago:
O ato de entrega de um bebê mediante pagamento será válido? Será este reconhecido como um negócio jurídico, um contrato? Após o acordo virão as obrigações para cada um dos intervenientes, cujo cumprimento se espera. Interessa-nos sublinhar o caráter oneroso do negócio, ou seja, o fato de a mulher gerar uma criança em troca de pagamento.
Segundo a doutrina portuguesa, neste tipo de contrato, há uma “coisificação” da pessoa humana, como se a pouco pudéssemos admitir algo como “promoções de bebês” ou ainda “vendas em segunda mão”.
Segundo os defensores da admissibilidade do pagamento, a doação temporária de útero implica no pagamento por um serviço de caráter pessoal, como é feito pagamento a um médico por uma fertilização in vitro. No entanto, essa tese parece não ter convencido a maioria dos autores, que reafirmam que o interesse do casal está na criança e não no processo de gestação, que constitui apenas uma etapa necessária à conclusão do fato.
As discussões jurídicas giram em torno de questionamentos feitos em torno da admissibilidade de contrato: o serviço pessoal de gestação pode ser tratado como outro serviço qualquer? Muitos juristas afirmam que não porque a maternidade, além de ter implicações mais complexas na esfera jurídica (sucessão, alimentos, entre outros), não se inicia ou se extingue com um contrato.
Outros argumentos usados contra a admissibilidade de um contrato:
§ As mulheres de classe econômica inferior seriam estimuladas a gerar filhos com finalidade comercial;
§ Segundo o art. 199, § 4° da Constituição Federal, constitui ato ilícito a comercialização de órgãos. A aquisição/ disponibilização deve ser realizada a título gratuito;
§ Mesmo com a garantia de pagamento, é real a possibilidade da mulher que se dispõe a gerar um bebê nessa condição criar laços afetivos com a criança; a separação da criança pode levar a mãe natural ao consumo de drogas, álcool e tabaco.
Pode-se concluir que o emprego da técnica de doação temporária de útero mediante pagamento mostra-se inviável, tanto sob o aspecto jurídico quanto sob o aspecto social.
Þ A invalidade do contrato gratuito:
Nos contratos gratuitos não há intuito lucrativo e a intenção das partes, geralmente parentes, é cândida. Ou seja, a elaboração de um contrato seria desnecessário ? Vejamos alguns argumentos a favor e contra esse procedimento:
§ O direito constitucional de constituir família. Resta saber se isso lhes dá a faculdade de recorrerem a meios de reprodução assistida.
§ Se uma mulher pode ceder seu filho para ser adotado. Por que não programar uma gravidez, para cedê-lo posteriormente a outrem.
Guilherme Freire Falcão de Oliveira afirma que “a gestação e entrega do filho, a troco de dinheiro, afeta a dignidade da mulher que vende a sua capacidade reprodutora; e a dignidade do filho que é avaliado em dinheiro e trocado por uma certa quantia...a gestação para outrem é considerada um fenômeno pertubante demais para ser bem aceito. Assim – e por enquanto – não é legítimo emendar esse velho problema da nossa cultura afetiva – Mãe há só uma !” (grifamos)
Até o presente momento, um contrato é inexecutável em Direito, haja vista que o procedimento não oferece segurança jurídica alguma, colocando questões de ordem ética, psicológica e jurídica em jogo.
Þ A situação da barriga de aluguel em alguns países:
- Proibida: Alemanha, Espanha, França, Itália, Japão, Suécia e Suíça.
- Permitida: Bélgica, Canadá, EUA, Holanda e Inglaterra.
- Aceita apenas entre parentes: Brasil e Hungria.
Ø A Necessidade de Regulamentação
Aqueles que são favoráveis à gestação de substituição (ou barriga de aluguel) justificam seu posicionamento com base no fato de que o número de casais inférteis ou estéreis é muito significativo, chegando ao índice de 10% em países como a Espanha e o Brasil. O desenvolvimento científico tem possibilitado o aperfeiçoamento de novas técnicas que possibilitam à maioria dos casais inférteis ou estéreis a realização do sonho de terem seus próprios filhos.
Outro argumento favorável à normatização da Gestação de Substituição é o fato de que é preciso regulamentar o desenvolvimento e a utilização das técnicas de reprodução assistida, haja vista que a evolução científica já permitiu a realização de procedimentos controversos, como a clonagem de animais. Como não é possível retroceder no avanço científico, em que técnicas e procedimentos já conhecidos da comunidade científica e de parte da sociedade, que têm nessas técnicas a solução para parte de seus problemas, faz-se necessário regulamentar e trazer para a esfera jurídica essa realidade já vivida pela sociedade.
O fenômeno da reprodução assistida trouxe a necessidade de reflexão acerca dos valores éticos e morais frente a evolução científica. Independente da posição que se adota em relação à gestação de substituição, percebe-se que é preciso regulamentar essa situação, permitindo-a, proibindo-a ou restringindo-a, a fim de que se imprima no ordenamento jurídico os anseios da sociedade como um todo. A normatização dessas técnicas significaria equacionar duas demandas atuais: identificar os procedimentos válidos que permitam aos indivíduos estéreis a realização da paternidade/ maternidade com segurança e estabelecer limites éticos ao desenvolvimento científico.
O projeto de lei n.° 2855 de 1997, em tramitação na Câmara dos Deputados, busca regulamentar em lei a postura que já é adotada pelo Conselho Federal de Medicina. O projeto regulamenta as técnicas e as condutas éticas sobre a Reprodução Humana Assistida (RHA), como a gestação de substituição, dentre outras técnicas.
Seguem alguns pontos de que trata o projeto, acerca da utilização da técnica de Gestação de Substituição e de suas implicações na esfera jurídica:
Princípios Gerais
Art. 2° - As técnicas de RHA teriam por finalidade a participação médica no processo de procriação apenas nos casos em que é comprovada a esterilidade ou infertilidade humana, quando outras formas terapêuticas tenham se mostrado ineficazes.
Art. 4° - Toda mulher poderá ser usuária das técnicas de RHA independentemente do seu estado civil, mas desde que tenha solicitado e concordado livre e conscientemente em documento de consentimento.
Art. 5° – É obrigatória a informação completa à paciente ou casal sobre a técnica de RHA proposta, especialmente sobre dados jurídicos, éticos, econômicos, biológicos, detalhamento médico de procedimentos, os riscos e resultados estatísticos.
Da Gestação de Substituição
Art. 15° – A gestação de substituição é permitida nos casos em que a futura mãe legal, por defeito congênito ou adquirido, não possa desenvolvê-la.
Art. 16° – A doação temporária do útero não poderá ter objetivo comercial ou lucrativo.
Art. 17° – É indispensável a autorização do Conselho Nacional de RHA para a doação temporária do útero, salvo nos casos em que a doadora seja parente até 4° grau, consangüíneo ou afim da futura mãe legal.
Dos Pais e dos Filhos
Art. 19° - Fica vedada a inscrição na certidão de nascimento de qualquer observação sobre a condição genética do filho nascido por técnica de RHA.
Art. 20° – O registro civil não poderá ser questionado sob a alegação do filho ter nascido em decorrência da utilização de técnica de RHA.
Art. 21° – A revelação da identidade do doador (em decorrência de motivação médica) não será motivo para determinação de nova filiação.
Ø Barriga de Aluguel – Obrigação Lícita?
Tendo em vista todos os aspectos até então apresentados, faz-se um entendimento contrário a barriga de aluguel.
A resolução do CFM restringe a mãe de substituição ao âmbito familiar objetivando vetar a comercialização da prática, ou seja, a barriga de aluguel. Destarte, entende-se que a barriga de aluguel caracteriza uma espécie de comércio, mais especificamente um negócio, o qual é explicitamente vetado no texto constitucional, como visto anteriormente.
Exsurge também a questão de colocar um ser humano como objeto contratual, o que é inadmissível no ordenamento jurídico infraconstitucional.
Outro ponto a ser analisado diz respeito à conceituação do termo obrigação. O doutrinador Clóvis Beviláqua apresenta o seguinte conceito para o termo obrigação: Obrigação é a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito de alguém, que, por ato nosso, ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão.
Assim entende o autor Washington de Barros Monteiro, o qual afirma que a obrigação é a relação jurídica de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.
Com base no conceito de obrigação, faz-se necessária análise da estrutura dessa relação jurídica, ressaltando seus elementos constitutivos, a saber:
§ pessoal ou subjetivo – sujeito ativo (credor) e sujeito passivo (devedor);
§ material – objeto da obrigação, que é a prestação positiva ou negativa do devedor;
§ vínculo jurídico – sujeita o devedor à realização de uma prestação positiva ou negativa no interesse do credor.
Tendo em vista os conceitos de obrigação acima apresentados, será feita a análise da licitude da barriga de aluguel dentro dos parâmetros até então apresentados.
Em um contrato de barriga de aluguel, assim ficariam dispostos os elementos constitutivos do tema:
§ sujeitos ativo e passivo: pai e mãe contratantes e mãe substituta;
§ prestação: criança;
§ vínculo jurídico: a mãe contratante impõe a entrega da criança à mãe substituta.
O que caracteriza a licitude da obrigação é a licitude da prestação.
Destarte, faz-se necessária uma explanação sobre o elemento prestação, a qual, para ser cumprida pelo devedor deve ser:
§ lícita – conforme ao ordenamento jurídico, à moral, aos bons costumes e à ordem pública.
§ possível física e juridicamente – pode ser realizada de acordo com as possibilidades e sem a proibição legal.
§ determinada ou determinável – perfeita individuação do objeto da prestação, ou desde a constituição da relação creditória ou no momento do cumprimento da mesma.
§ patrimonial – deve ser suscetível de estimação econômica, sob pena de não constituir uma obrigação jurídica.
No que tange à licitude da obrigação, faz-se o entendimento de que a entrega de uma criança não está de acordo com o direito, assim como com a moral, os bons costumes e a ordem pública. Isso posto, a entrega de uma criança não se caracteriza como uma prestação lícita, descaracterizando a licitude da obrigação.
Haja vista os aspectos então apresentados, julga-se imoral e ilegal colocar uma criança como algo economicamente apreciável ou como uma prestação pessoal econômica, afirmando que a mesma faça parte do patrimônio de alguém.
Ex positis, entende-se que um contrato tendo como objeto um ser humano é inadmissível no ordenamento jurídico, caracterizando uma obrigação ilícita, ou seja, desprovida do caráter jurídico.
CONCLUSÃO
Se a necessidade de que seja criada uma legislação sobre o assunto está se impondo de forma cada vez mais veemente, é por se fazer necessário que se assegure as melhores garantias de liceidade, e o mais importante, o bem maior: a criança.
O respeito à pessoa humana justifica todo e qualquer tipo de intervenção do Direito.
Uma frase que conclui muito bem esse trabalho é a seguinte:
“Os conhecimentos científicos não devem ser utilizados senão para servir à dignidade, à integridade e ao aperfeiçoamento do homem.” 







Fonte: Renata Cavalcante Scutti

BIBLIOGRAFIA
¨ Constituição Federal, de 1988.
¨ LEITE, Eduardo de O. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1995.
¨ DINIZ, M.ª Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral das Obrigações. 2° volume. 16ª edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2002.6
¨ OLIVEIRA, Guilherme Freire Falcão de. Mãe há só uma (duas)! – o contrato de gestação. Editora Coimbra; 1992.
¨ PROJETO DE LEI n.º 2.855 de 1997 – Dispõe sobre a utilização de técnicas de reprodução humana assistida.
¨ RESOLUÇÃO n.º 1.358 de 1992, Conselho Federal de Medicina.
¨ www.marieclaire.com.br
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